Há Sempre Um Copo de Mar para o Homem Navegar

A 29ª Bienal de Arte estava muito rica e estimulante. Eu acompanhei as três edições anteriores do evento e achei que esta foi  a melhor, tanto pela diversidade e qualidade das obras, quanto pela curadoria e pela polêmica causada acerca do verdadeiro valor da arte contemporânea na nossa sociedade. É claro que, quando falamos em arte contemporânea, é impossível não citar grandes e renomados nomes como Gil Vicente, Cildo Meireles e até o famoso cineasta francês Jean-Luc Godard, este que também marcou crucial presença na última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e sempre leva o público a profundas e inquietantes reflexões. A obra do Cildo, em especial, que entrou para a minha lista de favoritas foi uma que não está na edição da Bienal deste ano, mas apenas por intermédio das reflexões que me foram proporcionadas na Bienal de 2010 é que pude “resgatá-la” do MOMA, Nova York, e trazê-la para cá:

Imagem: Paulo Bruscky - BlogArte

As obras das garrafas de coca-cola e do “Quem matou Herzog?” também são fantásticas, mas essa, em especial, acho que dialoga melhor com a proposta da Bienal de refletir sobre as forças discursivas que imperam os regimes de saberes do campo artístico. Quem é que diz o que é e o que não é arte? Estamos todos à mercê de “carimbos sociais”, rótulos e vetores de poder que determinam quem somos e como devemos agir? Sim, mas como nos posicionar frente a essa “ditadura do saber”? Esta é uma obra que, visivelmente, extrapola o campo artístico e, além do caráter reflexivo-engajado, conduz o público a questionar aspectos de sua conduta pessoal, pelo menos foi o que houve comigo e me estimulou a proporcionar um debate com colegas da faculdade para debater questões como essa. Existe MUITA arte já produzida. Quem determina o que deve ser valorado como arte e o que não deve? Será que esse não seria então o momento de produzirmos menos produtos novos e mais reflexões sobre aquilo que já foi criado e tanto nos atira atenção?

Conversando com alguns dos monitores da Bienal (cargo para o qual eu teria me candidatado se tivesse sabido a tempo, confesso), percebi que eles receberam um “treinamento” para estarem ali, tiveram contato com muitos dos artistas que fizeram as obras, debates etc., mas pareciam ter sido dominados pelo “regime de verdade da Bienal” e até perderam suas convicções (pseudo)originais de belo e feio, forma e conteúdo, arte e não-arte. Ou seja, será que mais importante do que determinar o que é ou não arte, não seria propor esse tipo de reflexão e tentar desvendar quais são essas forças discursivas que regem o nosso intelecto?

Na verdade, eu gostaria era de ter falado sobre outra obra, afinal, o Cildo não precisa da minha opinião pra ganhar ibope. Depois de passar sobre as cabeças chinesas em bronze, subindo a rampa, eis que me deparo com uma casa muito engraçada, não tinha teto, mas tinha tudo: livros. Mas não eram livros comuns, eram livros decorativos estampados nas paredes, no tapete, no chão, nas cortinas. A casa estava inacabada, mas assim parecia completa. Era como mergulhar em uma biblioteca sem jamais ler um livro sequer. Assim me parece a arte contemporânea hoje (o termo é redundante, mas a arte contemporânea já foi mais contemporânea no passado próximo). E todas eram obras do cânone literário. Esse é o paradoxo da arte.

Enfim, este é apenas um desabafo de uma cidadã leiga em “Conhecimento artístico”, mas profundamente curiosa, pensante e amante (sobretudo de Foucault, Freud e literatura), e que ficou imensamente introspectiva com a Bienal de Arte, a Mostra de Cinema, o projeto Satyrianas e as muitas outras intervenções artísticas extra-oficiais que rodeiam o cotidiano daqueles que estão sempre em busca de um copo de mar para navegar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

noite-dia

E agora?