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Mostrando postagens de outubro, 2009

Je m'appelle Elisabeth

Até às 23h45 de ontem, Die Welle (A Onda) teria sido um dos melhores filmes que vi este ano. Fico extremamente vulnerável à vulnerabilidade medíocre do ser humano –— categoria na qual certamente me incluo. O inestimável poder de uma ideologia bem articulada, na qual todos possam se ver refletidos e acolhidos, revela uma assustadora percepção da (im)previsibilidade humana. Infinitas lacunas a serem preenchidas com o vazio. Haro, a personagem "rebelde", quase poderia ser meu novo ídolo, não fosse pelo acaso inusitado de um filme que veio até mim e persistiu, sem esforços, em ocupar o primeiro lugar do meu ranking anual de cinema. Betty, uma encantadora menina de 10 anos, me fez recuperar algumas sensações outrora perdidas em meio à insanidade subjetiva do doloroso viver. Sei que a sua dor não pode ser a mesma que a minha, Fernando Pessoa já me disse, mas sinto-a com tamanha intensidade que não há de ser fingimento. A criança e o louco, talvez os maiores sábios da vida. Eu me

Utopia

O neoliberalismo nada mais é do que a resposta a um momento político-social do Estado em crise, já que a ideologia capitalista não tinha mais o vigor necessário para apaziguar, entre outras, as pressões reivindicativas do movimento operário. Contudo, mais do que uma manobra política torpe e corrosiva, o neoliberalismo invadiu países dos quatro cantos do mundo porque foi sustentado por uma ideologia hegemônica, ambiciosa e disfarçadamente autoritária, capaz de disseminar a ideia de que “não há alternativas para os seus princípios”. É, parece que hoje a consciência social pende para outro viés. A desigualdade deixou de ser um valor positivo ideologicamente; a saga do movimento operário finalmente colhe frutos: o PT está no poder. Apesar de “avacalhado”, o neoliberalismo e sua pregação anti-social sofreram ataques que indicaram o “estado de avanço das organizações da sociedade civil”. Agora, mesmo com os opositores no comando – como quase podiam prever os historiadores –, vemos os sin

Desassossegada

Há um cansaço da inteligência abstracta, e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço do corpo, nem inquieta como o cansaço do conhecimento pela emoção. É um peso da consciência do mundo, um não poder respirar com a alma. Então, como se o vento nelas desse, e fossem nuvens, todas as ideias em que temos sentido a vida, todas as ambições e desígnios em que temos fundado a espança na continuação dela, se rasgam, se abrem, se afastam tornadas cinzas de nevoeiros, farrapos do que não foi nem poderia ser. E por detrás da derrota surge pura a solidão negra e implacável do céu deserto e estrelado. O mistério da vida dói-nos e apavora-nos de muitos modos. Umas vezes vem sobre nós como um fantasma sem forma, e a alma treme com o pior dos medos — a da encarnação disforme do não-ser. Outras vezes está atrás de nós, visível só quando nos não voltamos para ver, e é a verdade toda no seu horror profundíssimo de a desconhecermos. O Livro do Desassossego, Bernardo Soares por Fernando

Self dialógico

Imagem
Mulher ao espelho , Picasso Freud certamente viu essa obra. Picasso não necessariamente estudou psicanálise. Ou vice-versa. Todavia, ela dialoga com o mundo, com o meu eu, o self . Uma mulher que se vê refletida através do espelho nem sempre imagina a infinitude de nuanças que podem ser geradas. E, ainda, se for pintada em outra época, na mesma vida, já não será a mesma mulher; tão pouco as possibilidades no reflexo serão as mesmas. Picasso conseguiu aglutinar exponencialmente os sentidos do ser em um só quadro. A beleza da mulher está na arte. A contribuição do Freud está no self, aquela essência pessoal. Eu prefiro a maneira como William James o definiu: self dialógico . O "eu" pode ser construído ao passar do tempo, com o acúmulo de vivências e experiências que se sucedem, não é estático. Tudo o que absorvemos nos transforma em algum viés. Uma pessoa que muda de opinião não está necessariamente se contradizendo, mas sim agindo em conformidade com o dialogismo do seu s

All over the world

If love is all we need, why it isn't easier? Maybe it's too big to feet our hearts. I want to spread it through over the world. Step on the road, to the sea, to the sky. Dreaming with no pain, but living the game. Nor happy, nor sad, just trying to be always in love, even when we need more than that.

Presente de mãe

Ela sempre tem razão; sempre age com o coração. — Mas por que, filha? Ela gosta das perguntas difíceis, nunca contente com meias palavras. Um canto e um encanto. Era simples. Sapatilhas de bailarina, sons de alma em chama, beleza de arco-íris, pauta de poesia, sopros de esperança, tons de melancolia, melodia do meu ser. Era assim. Parece não entender; não sabe mais questionar. Sem mais, sem menos: — Esta será somente sua, companheira na solidão, acalanto para a dor, trilha para sonhar. Ela sabe que só se pode ver bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos. Era simples assim. Para flautear choros de alegria! Magic Flute - Mozart

Uma lição de Reis

Em meio a alguns versos de meia regularidade, depois de uma deliberação abstrata dotada de um purismo exagerado, eis o nosso discípulo-quase-mestre: Natureza. Entende-se o caráter efêmero da vida e nada resta senão aceitá-lo. Sem aborrecimentos, sem lembranças. Conformidade. Valorizar o aspecto cíclico da vida, aproveitar a aurora, admirar as folhas na primavera e despedir-se delas no outono. Epicurismo. Ponto de equilíbrio, sem exagero de emoção, sem cansaço. Não se escapa da hora fugitiva . O que pensamos, seja amor ou deuses, passa porque passamos. No rio das coisas. Bebendo a goles os instantes frescos. O que é sério pouco importe, o grave pouco pese, porque o que levamos desta vida é inútil.   Apenas a memória de um jogo bem jogado.